quinta-feira, 28 de julho de 2011

Açores - Sete














A Travessia do Mediterrâneo “- E até quando pensa o senhor que podemos continuar neste ir e vir dum caralho? – perguntou-lhe.Florentino Ariza tinha a resposta preparada há já cinqüenta e três, sete meses e onze dias com todas as suas noites.- Toda a vida.” O amor nos tempos do cólera, Gabriel García Márquez.Já tinha perdido a noção dos dias que estava no mar. Mas quando pisei o chão de Alicante uma coisa tinha certeza: Completei minha quinta travessia do Atlântico. Um ping- pong entre França e Brasil. Com as pernas um pouco sem forças e meio desequilibrada, tentava prender meu barco. Era difícil, pois estava em cima de um cilindro de uns dois metros que serve de defensa para a paragem de navios. Como parei ali? Rs...Parti dos Açores no fim da tarde com a ajuda dos rapazes da marina. Um deles me ajudou a subir os panos e feliz me contava que possui um mini e um dia também seguiria rumo a França. Logo que sai da marina o vento acabou. Mas não demorou muito para entrar com força e fui risando os panos. Segui a noite toda com bastante vento em direção norte. A idéia era ganhar altura para que chegasse pelo norte do Cabo de São Vicente, em Portugal, pois o vento lá é forte, as ondas passam dos 3 metros e não seria nada agradável pegar esse mar de traves.Pela manhã o vento caiu e permaneceu fraco por muitos dias. Segui em busca do vento de norte, mas ele não chegava e ventos do sul prevaleciam. “Devagar e sempre” seguíamos; ou melhor: devagar sempre seguíamos.Sonhei essa noite que estava com Elen passeando numa praça. De repente ela some. Começo a procurar e acho um tapete cheio de gatos pequenos das mais variadas cores. Fixo-me nos brancos, mas são tantos com olhos vermelhos, azuis, com manchas aqui e ali. Mas nenhum era ela. Aparece um caminhão e coloca os gatos dentro. Lá existem outros tantos gatos. Quando o caminhão parte olho para o chão e Elen está lá olhando para mim. Acordo com as velas batendo.Uma manhã avisto um veleiro. Passo um rádio e não acredito que o veleiro é brasileiro. É o “Temüjin” retornando a Lisboa de uma viagem de circunavegação pelo Atlântico. Eles me oferecem o almoço e não resisto. Reduzo a grande, tiro o gennaker e sigo lentamente na direção deles. Me aproximo e eles felizes me passam a comida. Falo com Lúcio e Caio pelo rádio. O barco possui 4 mineiros e um paulista. Como recusar comida mineira! Realmente fiz bem. Um peixe maravilhoso com arroz. Elen adorou tanto que no dia seguinte a flagrei mexendo no lixo, atrás da embalagem da comida.O vento também chegou. Chegou forte, de traves e com ondas de mais de 3 metros. Ui! As vezes as ondas quebravam com violência e o Petit Bateau chegava a deitar. Em menos de 48h passamos a linha dos navios que saem para o Gibraltar. Eram muitos e vinham alinhados, mas não foi difícil. Nenhum problema. Logo depois a linha dos que seguem do Gibraltar. Um vem na minha direção, mas desvia. Rumo agora para Trafalgar e faço um cálculo, pois para passar o Estreito preciso passar na maré. Como o vento está muito inconstante, vou de tempos em tempos refazendo meus cálculos. Chego próximo a Tarifa com pouco vento. Meu coração bate forte. Adoro essa região de fortes ventos e de uma energia impressionante. Uma região clandestina. Onde muitos morrem na luta constante de ultrapassar o estreito África-Espanha em busca de uma vida melhor. Relembro de quantas tardes passei a contemplar os contornos das montanhas da África sentada à beira do mar de Tarifa. Relembro dos dias que remei de Vila Real de Santo Antônio até Tarifa. Uma vontade de largar o ferro e me perder entre as ruas estreitas da vila. Mas o vento aumentou e a corrente também. Era a maré que começou a encher e o barco passava dos dez nós sem esforço nenhum.Já estava escuro quando cruzo a baia do Gibraltar e um grande catamaran em alta velocidade cruza meu barco. O barco com essa velocidade deve chegar a África em poucos minutos. Navios de todos os lados. O vento para variar acaba e o Petit Bateau fica boiando entre um vir e ir de navios. Um passa jogando luzes no meu barco. Não adiantava questionar, pensava. O barco não ia se mover, não havia vento e nem motor. Fui dormir.No dia seguinte a previsão pelo rádio era de ventos fortes à noite e marejada. E não deu outra. No cabo da Gata a corrente era tão forte que parecia que estava no Atlântico. As ondas às vezes chegavam com mais de 2 metros e com violência. O piloto não segurava o barco e eu o levei por horas até que cansei. Baixei os panos e fui dormir por duas horas. Voltei a subir as velas e, agora, com o vento mais calmo, o piloto já segurava o barco.Navegava a 15 dias. A comida e a água estavam acabando. Tinha ainda muita comida liofilizada, mas nada de biscoitos e guloseimas. Resolvi parar. Entrei rumo a Alicante em direção à marina que já havia parado em 2009. O vento estava muito forte e era difícil entrar no pano. A vela grande estava com a testa remendada e ficava difícil descer. Então segui adiante a fim de entrar na cidade de Alicante, direcionando-me para a Marina de Alicante. Ali irá ocorrer a Volvo Race. Antes de entrar no porto desci a grande. E entrei só com a genoa. Fui orçando com dificuldade até que acabei por derivar, derivar, e lá estava eu e o Petit Bateau no ancoradouro de navios. Um estivador vem me ajudar. Também um veleiro se aproxima e peço um reboque até a marina. Passo um cabo e eles chamam a marina que envia em barco de apoio. Chego à marina já no fim do dia cansada. Elen faz a maior festa. Corre de um lado para o outro e logo muitas pessoas se aproximam para observar o pequeno barco e uma gata doida. Elen foi atração esse dia. E nem se importava com o assédio. Continuava o ir e vir de popa a proa sem parar.Um senhor se aproxima. É o rapaz do veleiro. Ele me convida para jantar. Me diz que a moça que estava no barco é escritora e queria falar comigo. Ela tava encantada. Ela escreve novelas na Espanha e a novela atual tem uma navegadora que vai à África sozinha em busca de um amor. E leva consigo um gato. Quando ela viu Elen e eu sozinhas no barco, não acreditou. Foi um jantar agradável. Voltei para o barco e dormi um sono pesado e longo. Fui ao centro comprar comida. Nossa! Carreguei 3 bolsas repletas de mantimentos e água por mais de 3 km. Caminhava um pouco, parava; e, assim, foi até chegar à marina. Nossa, que sufoco! Preciso comprar uma bolsa com rodinhas.Coloquei água a bordo, arrumei a comida e joguei um pouco de água no barco, e logo já estava me preparando para partir. Um grupo de pessoas se reunira em volta do barco. Veio se despedir de mim. Era a tripulação do barco solar espanhol. Que simpatia. Tiravam fotos, e fizeram o sinal sonoro da minha partida.O rapaz da marina me levou até a saída do porto. Muito simpático falou que eu não gostava de terra. E com um aceno nos despedimos.Levo o barco até se distanciar da costa e ligo o piloto, mas, para minha surpresa, ele não responde. As luzes estão acessas, mas não trabalha. É noite e levo o barco até a noite seguinte. 24 horas no leme! Durante o dia tentei consertar o piloto, mas ele nada. À noite a maré aumenta, e o vento também. Levo o barco até a madrugada, mas já não agüentava mais. Baixo os panos e vou dormir. Antes de amanhecer já estou novamente subindo os panos e assumindo o leme. Mas agora era diferente. Comecei a testar, testar e já consegui levar o barco sem a necessidade de segurar o leme. Para ventos favoráveis a genoa manda. Empolpada fica difícil se o vento for forte, se for fraco é só soltar as velas que ele navega sozinho. Ventos favoráveis e fortes só levando o leme. Ventos contra e fortes, as duas velas e o barco voa. Vento contra mais fraco só a grande folgada. E assim pude descansar e fazer turnos com o Petit Bateau. Já que no seu turno, quando o vento não era contra e forte, o rendimento era fraco eu procurava levar o máximo que podia o leme.Baixei os panos para reparar as velas do Petit Bateau. A genoa rasgou e precisava costurar. Estava na proa costurando quando Elen apareceu correndo. Estava sem o cabo de segurança. Dei-lhe uma bronca para voltar para a cabine, quando ela desapareceu entre os panos. Continuei a costurar a vela e, ai, algo me fez ver se Elen, realmente, entrou na cabine, quando a vejo nadando numa luta desesperada para retornar ao barco. Ela tinha caído no mar. Que desespero. O barco navegava a essa hora a menos de 2 nós, pois estava com pouco vento e sem vela de proa. Corri, joguei a bóia de mar e Elen agarrou e subiu em cima. Tranqüila esperou eu puxá-la de volta para o barco. Comecei a chorar. Que situação horrível. Foi ai que parei e bolei um sistema de segurança. O sistema consistia em cada pessoa a bordo possuir uma pulseira que iria ter um GPS e, através do rádio, enviar um sinal ao barco quem receberia e num sistema ligado ao seu GPS iria ter a posição de cada tripulante. Depois quando cheguei em terra descobri que minha invenção já existia. Não pensem que Elen se importou com o banho que tomou ao cair no mar, pois em menos de duas horas já estava a observar o mar e correr no barco. Aiaiaiaiaiaia. E assim seguíamos, comendo mal, e muito cansada. Na altura de Barcelona o vento e a maré aumentaram muito. Resolvi me aproximar mais de terra para fugir da maré. O vento caiu e subi mais panos quando algo estranho aconteceu. O mar ficou sinistro. Parecia que fervia com bolhas explodindo por todos os lado. O barco se mexia muito e não dava para fazer nada a bordo. Era a troca de vento que de sudoeste passava para leste. Impressionante. Nunca vi nada igual. O vento à noite caiu e passei à deriva observando as luzes da cidade. Adormeço. Antes de amanhecer subo os panos, e o vento vem de um lado, depois de outro e dou ‘n’ bordos em pouco tempo. Ele demora a se firmar. Estou muito próxima do temido Golfo de Lion. Passo o cabo e marco minha posição no rastreador. O vento começa a crescer, cresce e vai roldando, roldando até ficar noroeste. Ele sopra forte, pára e ganha mais uns graus a oeste; volta a ter força, pára e mais uns graus a oeste até se tornar noroeste. Entre essas pausas ia rizando as velas.Fico com a grande com 2 risos e a genoa. Muito pano para o vento porque tinha força 6 a 7. Mas, só assim não precisava ficar no leme. Se rizasse a grande era muita genoa e o barco iria mais de traves e se rizasse as duas ai ia muito devagar. Estava a menos de 80 minhas de Sète e queria chegar no dia seguinte. Às 3 da manhã já estava a 18 milhas de Sète, mas agora o vento era na cara. E de bordo em bordo tentava me aproximar de Sète. Nossa, que cansativo. A genoa rascou e coloquei a genoa de tempestade. O vento começou a aumentar e resolvi rizar a grande quando a catraca quebra. Tento consertar mais o parafuso quebra a cabeça e não consigo desmontá-la. Fica difícil descer e subir a grande, pois como estava toda remendada, só com a catraca conseguiria. Estava a 3 milhas de Sète quando passei um rádio para Alain. Afinal estava em casa e não precisava sofrer. Largo o ferro. Alain rápido aparece com um barco e em poucos minutos estou ancorada no Porto de Sète. Alain me olha com um olhar de lado e um brilho nos olhos. Eu estava um horror, mas isso não tinha importância. Foram meses que esperou; e sorrindo me recebe em sua casa. Elen era só festa. Minha gata baiana e sobrevivente era só alegria.“Rapadura é doce, mas não é mole” Essa frase fica para o Mediterrâneo. A Travessia do Mediterrâneo foi uma das mais duras que passei. Bel”



Martinica - Açores













Parti de Martinica no dia 4 de maio num dia de muito calor e sem vento. Rumei a oeste e segui depois a leste no canal entre Martinica e Dominica. No canal o vento engrossou e o tempo foi mudando. O ceu foi ficando cada vez mais sinistro, mas a bordo a paz reinava. Elen não parava quieta. No dia 6 caiu muita chuva e o vento engrossou e ficou contra. Mas o vento não durou muito e a noite estava com todos os panos em baixo, pois não aguentava mais ver velas batendo.
No dia 8 uma super tempestade. O mastro tremia que pensei que ia quebrar. E seguia assim a viagem com uma hora de forte vento e depois nada. No dia dez a nossa Elen saiu pela primeira vez de dentro do barco sozinha. Agora a atençao tem que ser dobrada, pois o risco dela cair na agua era grande. Entre ventos, calmarias e cuidados com a gata ia pensando na vida, no futuro, nos sonhos, nos amores...
Os outros dias da travessia foram super tranquilos. Vento favoravel, gennaker o tempo todo, dia e noite, lendo livros e me divertindo com a pequena Elen que não para quieta.
Avisto 3 veleiros e tento falar com eles, mas não entendo nada o que falam e desisto. Chego aos Açores e o vento cai e passo mais de 12h para conseguir as 3h da manha chegar no porto. Confesso que pensei que minha amiga Beatriz Madruga iria aparecer de barco a qualquer momento. Mas isso não aconteceu. So depois fiquei sabendo que ela tinha viajado com seu marido, o velejador solitario Genuino Madruga para Lisboa, pois iria ter um encontro com o presidente de Portugal, pois Genuino lançou um livro “ O Mundo que eu vi“ sobre sua segunda volta ao mundo em solitario e iria presentea-lo ao presidente. Estou louca para ler. O titulo é lindo.
Acabei por não encontrar minha amiga. Mas fui no Peter Café e curti um pouco esse pedaço do Atlantico.